sexta-feira, 13 de março de 2009

Epitáfio

Que as flores regadas pelas lágrimas dos que choram a minha falta possam, como eu, magicamente, renascer outra vez viçosas e coloridas, expressando o imenso amor que continuo a lhes dedicar.

Epitáfio

Se jóias preciosas se guardam em pequenas caixinhas,
Que dizer do meu valor, se me colocaram aqui, neste caixão?

Epitáfio

Tô indo embora sozinho,
deixando tudo pra trás.
Só vão consciência e amor
quando a morte chega e... zás!

Epitáfio

Parti chorando? Qual nada!
Fiz cara feia? Cruz-credo!
Dei foi suspiro de alívio,
livre de todo este tédio!

Epitáfio

Amei todo este tempo em que me distraí com tantas ilusões, mas agora devo voltar à realidade.

Epitáfio

Fui ali e volto já.

Epitáfio

Aqui repousa,
para sempre e prematuramente,
quem passou toda a vida
correndo alucinadamente.

Epitáfio

Fui!
Se Deus quiser,
não volto nunca mais!

Meu Epitáfio

Por favor,
agora esqueçam de mim
para que enfim eu possa ter paz!

Epitáfio

Agora não dá mais pra levantar
e dar a volta por cima:
eu sou a própria poeira.

Onde Fui Amarrar meu Bode...

Quando é que vai parar de me perseguir?
Acordo, e meu primeiro pensamento foi para você.
No espelho, antes de lavar o rosto, foi o seu que eu vi sorrindo para mim.
Escolhi, para sair, aquela roupa que você me deu no último inverno só para me sentir aconchegada outra vez.
No banho, me arrepiei quando senti no corpo seu toque, insistindo em relembrar sua ausência.
Tomei o café olhando o nada enquanto mastigava o seu cereal preferido e sentia seu gosto na boca.
Saí esbarrando na porta e, na rua, olhei e instintivamente joguei beijo para você que não estava na janela me acenando.
Aí, boba, entrei no carro e, ligando o som, foi a nossa música que tocou me fazendo chorar.
Refeita, tentei dirigir independente, sendo levada pelas escolhas do meu coração a percorrer os mesmos caminhos feitos por você a cada manhã.
Durante todo o dia era você que via nos rostos que passavam por mim na rua e descobria suas palavras e trejeitos em cada pessoa com que encontrava no trabalho. Na minha mesa sorriamos abraçados no porta-retratos.
Na livraria esbarrei com todos os livros que pretendíamos ler juntos. Naquele café fiquei muitas horas escrevendo seu nome na toalha da mesa, cartas pra talvez entregar a você e olhando a toda hora pra porta, achando que você finalmente ia entrar e correr pra me abraçar entre beijos de reconciliação.
Mas o que não vou aturar de jeito nenhum é chegar em casa cansada de tentar fugir de você o dia todo, me jogar na cama pra tentar dormir...
E, antes de me aparecer nos sonhos, como tem feito durante toda a semana, é você que encontro dormindo debaixo dos lençóis na sétima vez que volta para casa depois de ter ido embora - para sempre???

Epitáfio do Avarento

Não toque no que é meu
Que eu tô voltando!

Amor

Do amor só os bobos sabem...
E seguem enganados
Enquanto pensam que conhecem
Aquilo que, não sentindo,
É de todo impossível saber de verdade.

Porque aquele que de fato ama
Sabe que nada sabe,
Nada espera,
Apenas sente, recebe.
E como criança
Ainda se espanta,
Tudo oferece
E, às vezes, reclama.

Tempo

Tudo é lento
Só eu ainda corro
Até que morro.

Mar

Dia claro, céu azul, sol a pino ao meio-dia. Eu sozinha, sentada na areia branca, quieta olho o mar. As ondas vêm e quase chegam para molhar meus pés que, às vezes, se recolhem instintivamente e outras vezes se esticam, tentando alcançar a água que não consegue molhá-los, ainda desta vez. Respiro fundo e me tranqüilizo enquanto espero outra onda que novamente volta puxando a areia. E mesmo sentindo meus pés ainda secos ela me diz que logo, logo você também chegará e, molhando meus lábios com seu beijo, como a água que enfim irá lavar meus pés, renovará toda minha energia.

Pavloviar

Preciso me acordar!
Cansei de pavloviar pela vida
Enredada nas armadilhas dos vícios,
Repetindo continuamente
O aprendido a duras penas.
Quero trazer, somente na memória,
O que já ficou pra trás,
Decantar a minha história
Do lamento dos meus ais.
Instaurar o novo,
Permitir-me ser eu mesma,
Expressar a divindade
Que em mim reside ainda.
Ser plena,
Colocar nas atitudes o inesperado,
Ter criatividade da criança que fui,
Antes de ter sido condicionada.
Resgatar a inocência e a espontaneidade,
Surpreender, ter suavidade,
Crescer,
Viver a liberdade
De simplesmente ser.

Expansão

Há momentos nesta vida em que somos intimados a alterar comportamentos. É como se, finalmente, retirássemos o véu que nos impedia de enxergar claramente como são as coisas e as pessoas. Antes que o véu seja levantado, passamos tempo demais envolvidos com falsas idéias, conceitos e julgamentos errôneos sobre as mesmas situações e pessoas. Mas, a partir do instante mágico em que o quadro da realidade é, então, totalmente alcançado, é impossível voltar atrás. Estou num destes momentos agora.
É como se a Vida estivesse me empurrando até a beira de um abismo onde posso olhar do ponto mais alto de uma montanha, tendo a noção completa do todo lá embaixo e estivesse, entretanto, morrendo de medo de olhar para baixo. Poderia, ao ter a maravilhosa visão abrangente, tontear e cair, me espatifando entre os rochedos do fundo ou, então, vendo a paisagem infinita, perfeita e harmoniosa, inspirar o ar puro inflando os pulmões e saltar confiante sobrevoando (com meu sistema respiratório planador natural) as belezas incontáveis, descendo segura entre as árvores e, finalmente, pisando em solo fértil e aquecido.
É um ponto de mutação. É obrigatório escolher.
Não há como não olhar agora, a não ser que me faça cega. Ainda tenho esta opção, mas nunca quis isto, muito menos neste momento em que me amplio em tantas outras coisas. Identifico em minha vida uma sucessão de acontecimentos me levando ao mesmo ponto crucial: o desapego, a aceitação do que é, sem tentativa de controle, a obtenção do verdadeiro poder, de ser só o que se é, sem medo, sem resistências.
Se expresso o que sou apenas, aceito todo mundo do jeito que é, sem querer moldá-los antes para caberem nas exigências do meu olhar imaturo e equivocado, portanto, enganável.
É imperativo que eu, serenamente, encare cada pessoa dentro de cada possibilidade sua e simplesmente aceite.
Só assim atinjo a liberdade, me solto das amarras impeditivas, limitadoras, ofensivas da ilusão.
E, ao mesmo tempo que vou conseguindo olhar para cada pessoa e situação como de fato são, ajustando a minha maneira de interagir, deixando de ter um comportamento padronizando e teoricamente correto e adequado segundo minha visão idealista, torta, tomo posse da minha totalidade, integro a minha sombra e amadureço, ainda que tardiamente, ampliando meus limites, tornando-me então infinita que sou realmente.
Vejo tudo a partir de agora.

Você Faz Seu Futuro

O medo daquilo que virá porque foi prometido através de um “feitiço”
mantém prisioneiro de seu desígnio
somente aquele que não reconhece o futuro
como mera possibilidade,
e não crê que poderá escapar
alterando alguma das partes
que compõem a sua formulação...
O que é sempre possível.

A Sombra

Minha vida chegou a um impasse. Lembro-me de uma carta do tarô que fala que em determinados momentos devemos simplesmente esperar, deixar o barco navegar seguindo as ondas, sem remar, sem tentar voltar, ficando à mercê da vontade maior. Também é um momento só para reflexão em que me sento e, em meditação, reflito sobre as coisas que vêm acontecendo.
Sei que não posso deixar de experienciar o que preciso, embora tantas vezes seja custoso demais. Gostaria de emergir deste lodo, tomar um longo banho, trocar todas as roupas e jogá-las fora para me livrar de vez de toda esta lama em que me sinto mergulhada. Mas ainda não é chegada a hora, eu sei. Um dia será e, debaixo das lágrimas de dor pelo tempo de sofrimento, nascerá um novo rosto, libertado da crispação desta dor e do escurecimento do pesar.
Conformação é a palavra. É necessário que eu me conforme com o que tenho que ver, sentir com meu nariz e pegar com minhas mãos. Não adianta querer negar, espessando a pele das mãos, queimando os dedos com a raiva de não querer tocar a realidade. Preciso da conformação com o sofrimento, tenho que entender que a vida, com todas as coisas, possui os dois lados; que a sujeira, a estagnação, a podridão não residem apenas nos cemitérios. Estão dentro de nós mesmos. É preciso aceitar ver o corpo morrer em vida, para também ser capaz de celebrar as belezas e maravilhas do corpo vivo todos os dias.
Acho que já reagi muito mais, já tentei - esgotando minhas forças - corrigir as imperfeições do mundo e das pessoas. Eu busco a perfeição, mas hoje sei que sou tão suja quanto qualquer ser vivente e tento aceitar o fato de me macular, de sujar minhas vestes e minha pele naquilo que faz parte da existência também.
Busco a ordem, mas devo aceitar o caos. E sem perder o sentido da ordem. É muito fácil ser branca transitando numa sala impecavelmente limpa. Mas conservar a pureza chafurdando nos charcos, correndo nos lamaçais, é tarefa difícil.
É um momento de estar voltada mais para mim mesma, de reunir e guardar forças que não têm mais permissão de serem usadas em coisas boas e naturais, de dar gosto. Isso agora é raridade. É tempo de dedicação, de servir e de abrir mão da individualidade. É o momento de me entregar à arte de aprender, de aprender um outro lado de mim tanto tempo negado, mas que é meu, que não pode ser rejeitado, que tem que ser olhado e compreendido para que, só assim, perca a força e me permita brilhar outra vez.

Amor

O amor realizado nos coloca naquele ponto da nossa existência em que nada mais desejamos, não há expectativas, somente eterno contentamento.

Oração para Lidar com a Desgraça

Que hoje eu consiga manter a tranqüilidade mesmo que seja provocada.
Que eu permaneça aberta para o novo mesmo que os padrões em que esteja envolvida sejam antiquados e ultrapassados.
Tomara que eu consiga manter tranqüilo meu coração, que minhas costas não fiquem enrijecidas, que os meus olhos não mostrem o espanto de minha alma assustada diante de tanto absurdo. E é claro que isto é possível porque, na realidade, minha alma não se espanta mesmo, porque ela está acima de tudo isto. Eu, enquanto personalidade, é que posso sofrer e resvalar, mas a alma não. Ela se mantém íntegra, suave, alheia a todo estardalhaço, e poder sorrir calmamente de tudo é sua força.
Então peço a Deus que deixe que somente minha alma se apresente no dia de hoje, que ela esteja à frente, que possa me defender e me conduzir. Que a minha sombra se enfraqueça e eu pare de ranhetar e espernear.
Eu quero hoje agir de forma adulta e equilibrada, certa daquilo que sou, sem esperar aprovação ou buscar reconhecimento, entendendo que o mais comum neste mundo é o contrário mesmo.
Preciso não me deixar abalar diante do absurdo das situações, do distanciamento dos que estão perto e tinham por obrigação envolver-se, opinar e até mesmo me defender.
Quero viver a solidão de minha alma, expressando sua força e temperança.
Sei que na vida há momentos assim, em que tudo parece dar errado. São momentos difíceis de suportar, quando queremos fugir, cair por terra ou morrer para nos livrarmos da dor. Nesta hora, o que ajuda é saber que eles passarão porque nada é permanente, nem o bom nem o ruim.
Que eu tenha serenidade para esperar a virada que ocorrerá, sem dúvida.
Que eu seja guiada pela minha intuição para buscar o que for melhor para a minha vida.
Que, diante das opções que forem surgindo, eu possa escolher a que for melhor, sem precipitações.
Que meu Eu Superior me aponte o caminho com sinais que hão de surgir na hora exata para que eu os receba e utilize nesta jornada tão penosa em que se transformou meu cotidiano.
Que eu guarde em mim toda a força do espírito, me permitindo conectar com as esferas elevadas, afastando os sentimentos de raiva que só podem atrair para mim mais dificuldades e dor.
Permita Deus que eu não deseje vingança, que não rogue pragas, que não queira o mal dos meus opressores. Que, antes, possa compreendê-los na sua pequenez, perdoá-los, seguindo adiante livre do seu jugo, que não encontrará em mim afinidade ou ressonância.
Que assim seja.

Novos Tempos

O mundo mudou, vem mudando a cada dia e o movimento é rápido demais para que possamos acompanhá-lo, a não ser que estejamos mais soltos.
Os seres humanos que estão nascendo agora trazem a marca dos novos tempos. São ágeis, flexíveis, carinhosos e desapegados.
Caso não possamos acompanhar este fluxo, nos sentiremos, a cada dia, mais inapropriados e infelizes.
O preconceito e a rigidez são inaceitáveis. Devemos buscar a harmonia, a ampliação dos contatos, a largueza das idéias e as relações baseadas no amor.
A dialética do bem e do mal já caiu por terra. Tudo é possível, desde que não fira o bem comum.
O amor deve permear cada atitude e a intenção é o que mais importa.
Nossos pensamentos devem ser educados, tanto ou mais que nossas ações.
A consciência de que tudo se inter-relaciona no planeta é importante. A vida inteligente se manifesta por toda parte.
A teia do universo é cada vez mais visível para aqueles que se habilitam a estender seus sentidos.
O peso advindo do mundo material deve ser abandonado. Temos que estar livres para podermos transitar entre os mundos.
Desapegar é preciso. Desenvolver algo além do amor pessoal também é mandatório.
Soltemos as amarras que nos impedem de enxergar o quanto é promissor e gratificante não ter medo do amanhã, confiar.
O que importa realmente é o instante que se vive plenamente, sem nostalgia do passado ou expectativas do depois.
Viver de forma mais simples sem ceder aos apelos do mundo material, mantendo o coração desapegado, livre de sentimentos pessoais limitadores, buscando desenvolver o amor incondicional, é a certeza de ser feliz.

Promessa

Rasgo a noite
Em espera ansiosa
Pelo luminoso alvorecer
De minha nova vida,
Como um cometa
Que enquanto atravessa o céu
Desenha, em seu negror,
Um caminho de luz.
Que seja, o cometa,
Para aqueles que testemunharem sua passagem,
A anunciação de novos tempos.

Cegueira

O pior cego é aquele que se impede de enxergar os ensinamentos que a vida quase esfrega na sua cara.

Teimosia

O aprendizado do teimoso é mais árduo porque ele resiste a si mesmo.

Um Dia de Cada Vez

Caminho imersa na natureza, meus pés tocando de leve as folhas secas que atapetam o chão. A névoa úmida da manhã ainda cobre as folhas das árvores e, vez por outra, molha meu corpo trêmulo. Passeio assim sem destino preciso. Cumpro um caminho que faço à medida que ando. Não tenho medo. A solidão é a única certeza que carrego. Esta solidão me alimenta porque conecta com minha fonte de energia interior. Este passeio é concretização da fé, quando estou imersa em Deus/natureza, vivendo a vida como esta caminhada, sem medo, preenchida pela energia que flui de mim mesma, com forças para viver todas as coisas que se apresentam.
Aprendo a viver um dia de cada vez, não mais fixada na melancolia do passado e sem projeções para o futuro, concentrada no aqui e agora.

Triste Solidão

Desfilar como porta-bandeira da sua dor sem dar-se conta de que a escola já passou é, solitariamente, negar a evidência de que a vida continua apesar de você e de sua eterna mania de remoer.

O Segredo

Sonhe com o mundo que você quer
Como é a vida que você deseja?
E qual o trabalho que você almeja?
Como será o seu bem querer?
Imagine como quer a sua vida...
Sinta como se já estivesse sendo vivida...
Agradeça JÁ pelo que deseja ter...
Se isto bem feliz vai lhe fazer ser.
Sorria, fique bem e só pense no melhor.
Elogie, realce o que é bom, para ficar melhor.
Esqueça a crítica, ela não faz bem a você nem a ninguém.
Concentre sua mente no que pode ser seu melhor presente.
O tempo é agora: transformação!
Mude seu momento sem demora!
Basta virar a chave e o universo acompanhará.
Diga off pra tristeza, pobreza e reclamação;
Escolha on, se ligue na alegria, saúde e abundância.
Extravase o amor que existe em seu coração.

Caixinha de Costura

Rolinho de linha barbante
agulha curva também
costura couro de velho
e até barriga de neném.

A poesia está em tudo,
fique atento, seu doutor,
são os olhos que nos dizem
onde se vê o horror.

Corpo-Mar

Do alto olho a espuma branca que chega à praia. Percebo como é linda ao configurar desenhos, formas diversas na areia branca.
Veio de tão longe, resultante do ímpeto de um mar bravio, esta água rica de movimento.
No sobe e desce insano do oceano explode nos rochedos, brindando a nova vida, capaz de florescer na terra agora úmida.
Em minha mente um torvelinho de pensamentos desfila, tentando individualizar-se. Chocam-se uns com os outros ou encaixam-se perfeitamente, gerando, de súbito, novas idéias que, luminosas, transfiguram meu rosto num sorriso de expressar a criação, o inesperado.
Mas é no amor que o mar em mim se manifesta, quando carícias seqüenciadas evoluem na dança celestial do desejo, fazendo o sangue pulsar nas veias, aquecendo e intumescendo, criando o ambiente perfeito, assim como a flor que se abre inteira pela manhã depois de receber o orvalho da madrugada. E, vermelho rutilante, percorre caminhos nos movimentos convulsos da paixão e explode, deixando, enfim, jorrar a água límpida, quente e nutridora do corpo-mar então todo-poderoso.

Controle

O controle é a armadilha de teia invisível e intrincada, onde aquele que tenta exercê-lo será inadvertidamente apanhado, até que possa entender que o verdadeiro poder reside na permissão da liberdade de ser, tanto para si quanto para os outros.

Oportunismo Lúgubre

As desgraças são os fios que os vocacionados para vítima utilizam para tecer, cuidadosa e prazerosamente, sua mortalha.

Tempo

O tempo que marca as horas
Corre de medo de mim
Quando tento atrasar as horas
Nesta existência sem fim.

Velhice

A velhice é o viés de uma vida produtiva quando o nada fazer pode ser mais produtivo.

Sintonia

Busco um sentido para meus dias.
Com afã, como antes buscava, só que agora nada é fácil.
Outrora, me saciava com expressões materiais.
O trabalho, as posses, as conquistas pessoais.
Hoje, tudo isso é prescindível.
Tudo se mostra efêmero e conduz a um imenso vazio.
O que procuro já não se mostra.
Ou foge na tentativa de me atrair.
Antes, espreita no recôndito do meu ser,
Anseia pelo nosso encontro,
Plácida, confiante, a que tudo sabe...
Minha alma sorri, antevendo o momento eterno em que seremos uma só.
Enfim o casamento ideal e o nascimento possível dela...
Daquela que poderá talvez tardar
Ou, antes, ser mesmo abortada
Ou então surgir prematuramente
(Conseqüência, por certo, de variadas dores).
Todavia, sua chegada será gloriosa,
Transformará completamente a criatura,
Acalmará, conferirá segurança,
Sossegará os dias
E alongará as noites em sonhos possíveis.
O que minha alma aguarda,
Trazendo ao meu ser profundidade,
Inquestionavelmente preciosa,
É ela: a tal maturidade.

Recado (de Mim pra Mim)

O que tenta me mostrar a vida que não consigo enxergar?
Por que estou com esta dor tão forte e limitante?
Que a situação em que me encontro me impede, limita, restringe, eu sei.
Que isso tem a ver com a direção de vida, com as fronteiras entre o que a cabeça pensa, o coração sente e o que o instinto determina, também estou sabendo.
Não posso ignorar que tenho me excedido, que por mais flexível que eu tente ser, há momentos em que a vida pede demais e eu não consigo acompanhar.
Sei disto tudo, mas com o que não consigo atinar é com a necessidade de sofrer, de ter uma dor tão aguda, tão desesperadora, que me dá tanto medo e dificulta minhas funções normais.
Mal consigo engolir ou falar.
Sei que aí também é bandeira: o corpo me aponta as coisas que preciso e não consigo engolir e deixa bem claro que é melhor ficar calada.
Se engulo, não desce; se falo, tem que ser bem baixo.
Mas o que é mais triste e, ao mesmo tempo, desafiador e orientador nos sintomas,
é que este torcicolo me impede de olhar as pessoas nos olhos, olhar para cima.
Só consigo, ainda que com bastante dor, manter os olhos baixos, a boca fechada, o pescoço reto
de quem deve seguir sempre em frente.
O braço esquerdo também está limitado, expressando dificuldade no sentir.
Preciso integrar as mensagens para me transportar, digo, transformar.
Ato falho. Valeu...

Desdobramento

Não estou em mim, viajo por terras distantes, terras onde já vivi, onde deixei marcas profundas que ainda hoje se expressam em sentimentos de seres que habitam por lá. Passeio por estes lugares que me são familiares, refresco a alma em ares ali presentes, vibro numa dimensão estranha. Sonho. Talvez seja sonho, talvez desdobramento. O fato é que não estou aqui. Hoje sou pela metade e isso não me causa incômodo porque, afinal, qual de nós vive em plenitude?

Caminho

Procuro dar sentido à minha vida. Passo pelos dias buscando o que realmente sou. Sei bem o que não sou. Não sou esta corrida desesperada, a cabeça tonta, os olhos vermelhos de se arregalarem o dia todo. Não sou esta máquina de fazer que repete, repete, repete. Não sou alguém alienado que passa pelos momentos sem ter a plena consciência deles. Sou algo além de tudo isso. Eu sou a delicadeza de movimentos. Sou o pensamento coerente. Sou o coração aquecido pela convivência com os semelhantes, próxima e harmoniosa.
Tento me expressar de alguma forma e quase não consigo. Na corrida desesperada, na gincana que se transformou meu cotidiano não encontro qualquer compensação. É tudo muito vazio de sentido. Procuro a arte como forma de expressão. É a alma querendo esvoaçar sem conseguir. Pinto e na mistura das tintas me liberto e encontro sentido. É muita coisa querendo explodir em mim. Mas o cansaço me acorrenta. O cansaço me impede de conseguir fazer alguma coisa realmente criativa. Se tento escrever, as palavras não seguem o fluxo das idéias. Fico titubeante, oscilando entre uma palavra e outra, sem terminar a frase. É um tormento!
Sou um barco à deriva depois de ter em vão me debatido contra os rochedos sem conseguir ultrapassá-los.
E navegar é preciso.

Expressão

Pinto buscando saber quem sou.
Recolhendo os cacos de mim mesma,
refaço o quebra-cabeça
e ouso vislumbrar o todo...
Quem sabe, um dia?

Se Minha Criança Sofre... (Ana)

Os receios de criança
que persistem em nossas vidas
são lixos a jogar fora...
Vide a estrada percorrida:

seu corpo cresceu, mudou,
você amadureceu
em outros tantos aspectos
dentro do seu próprio eu;

passou por problemas diversos
com coragem os enfrentou;
sofreu com tristezas, perdas...
e com força as encarou;

cresceu profissionalmente
às custas do próprio valor;
ajudou tantas pessoas
com carinho e com amor.

Foi crescendo no tamanho
sem perceber que, a seu lado,
há uma menina pequena
que precisa de cuidado

e arrasta, pesadamente,
com as pequenas mãos feridas,
temores, medos, pavores
que lhes dificultam a vida.

Por vezes ela te domina
com seu pessimismo aprendido,
isto arrasa a alegria,
faz tudo perder o sentido.

Ela não pode influenciar,
você nela não deve crer;
pare, adulta, para ouvi-la,
para que ela possa viver

leve, como veio ao mundo,
alegre, feliz, satisfeita,
risonha e brincalhona,
uma criança perfeita.

Coloque a menina no colo,
cuide dela, beije, abrace,
console, acalente, sorria,
olhando-a face a face.

Diga que tudo passou,
“Das tristezas cuido eu,
cuido das dificuldades,
cicatrizo onde doeu”.

A ela cabe sorrir,
confiar na sua ação
assertiva nos momentos
em que lhes faltar o chão.

Diga a ela que aqui,
nesta terra de humanos,
há problemas, coisas boas,
sortes e desenganos,

mas que você constrói os dias
da melhor forma possível:
semeando alegrias,
afastando o que é terrível.

Mas se bobagens vêm à porta,
entrando sem permissão,
você cuidará de tudo,
pois esta é a sua função.

Que você sabe, convicta,
que cada pessoa uma vida;
as dores que são dos outros
não pertencem à sua lida.

Que você ajuda, se pode,
apóia, se for aceita,
colabora, tão amiga,
não faz corpo mole, não “deita”.

Mas que se algum mal surgir
dizendo respeito a vocês,
ela estará protegida
em seus braços, desta vez.

Desta vez e em outras tantas,
sempre que precisar,
pois adultos são pra isso:
defender e amparar.

Diga a ela que crianças
não devem se preocupar,
diga que não faz sentido
e explique, pra confirmar:

“Por que vai se preocupar
se o caso tem solução?
E por que se preocupar
Se é sem resolução?

É coisa tão sem propósito,
isto de preocupação...”
Esclareça a garotinha...
Acalme seu coração...

Depois de tranqüilizá-la
com todo afeto e calor,
faça uma coisa por ela,
definitiva, por favor:

desembarace a pequena
da tristeza do seu fardo,
jogue fora, de uma vez,
aquele lixo pesado.

Libere as suas mãozinhas,
cuide de seus ferimentos,
trate bem sua criança
e use bastante ungüento.

Depois de passado um tempo,
quando ela estiver curada,
toda boba, saltitante,
sentindo-se tão amada,

agradecendo com olhares,
te esticando os bracinhos,
pedindo colo, dengosa,
quando cansar no caminho,

te fazendo mil gracinhas,
sorrindo o tempo inteirinho,
te afogando em abraços,
te enchendo de beijinhos...

chame-a pra, com você,
novo hábito iniciar:
passar os dias da folhinha
sem temer o que virá.

Assim seguirá a vida,
mais tranqüila, finalmente,
envolta em felicidade
e segurança... plenamente.

De Bem com o Mundo

Meus olhos percebem o colorido de tudo. Estou aberta para o amor. Digo isto porque hoje saio pela rua e me deixo impressionar por imagens que ontem não me diziam absolutamente nada. Não é o mundo que está diferente. O trânsito continua caótico, as pessoas desesperadas, injustiçadas, depauperadas, correndo pelas ruas como sempre. Eu é que enxergo por uma lente benévola que me permite acreditar que o mundo é belo. Vejo poesia em tudo. No que observo, tantas coisas me trazem recordações de outras que já vivi. Os camelôs, as mães com seus filhos, a expressão dos que passam, tudo me transmite paz, tudo hoje é belo. Estou apaixonada pela vida e o amor dá colorido às coisas.
Pela janela do ônibus desfilam para mim imagens que aquecem meu ser. Estou por cima, suspensa, envolvida num manto amoroso, pairo acima de tudo, elevada pelo amor e, neste estado, nada parece difícil. Desprendo de mim um odor doce... de fazer amigos, de borrifar nas pessoas, de fazê-las serenas e também amigas.
Não sei o que possa ter motivado isto. Há dias em que acordo assim iluminada e então tudo ocorre perfeitamente bem. Abro meus caminhos com uma força invisível. Nem caminho... me desloco quase como numa dança, sem tensões. Não há medos, só confiança. E esta facilidade de me transportar para o momento presente é maravilhosa. Apenas sou, não há expectativa de futuro nem nostalgia de passado, estou aberta para tudo que se me apresenta, não há resistência. É só um fluir, sem estagnação, sem prisões nem bloqueios. Sou eu quem dirige meus passos.

Resposta a “Se Minha Criança Sofre...”

Se escrever é terapêutico, o que dizer sobre o que você nos provoca com este texto sobre a dor da nossa criança?
É um convite irrecusável para que olhemos para ela. E todos nós a possuímos, mesmo que tantos não saibam disto. Mas de fato ela está dentro de nós e clama pelo nosso olhar e cuidados.
O seu texto é mágico, é lúdico, comunica-se imediatamente com a criança em nós. Ela é atraída por suas palavras doces, por seu cuidado amorosamente oferecido, seduzida pelo carinho e proteção contidos nas entrelinhas. Hipnoticamente nos deixamos levar e lá estaremos nós outra vez, vivenciando as experiências do passado.
Mergulhamos, em regressão, seja nos fortalecendo enquanto relembramos e revivemos aquilo que foi bom, seja repetindo momentos difíceis (tantas vezes quantas necessárias) com a oportunidade de cura.
É certo que ao lermos este texto mesmo que a mente consciente não entenda (e é até bom mesmo que se distraia), nosso inconsciente vai captar a sua proposta de cura e aceitá-la. A mente inconsciente sabe bem o que fazer para curar nossas feridas, só é preciso ativá-la. E, mesmo sem ter consciência, nossa parte adulta estará lá, ao lado da nossa criança sofrida, cuidando dela, repassando as dores, transformando, ressignificando e promovendo a cura.
E este processo irá se desenvolvendo sem que saibamos, enquanto nos ocupamos de outras tarefas, nos envolvemos com outras pessoas e também enquanto dormimos. E sabe porquê? Porque falando diretamente com a criança, nesse ritmo dos seus versinhos, não haverá resistência... só aceitação. (Espertinha, heim?)
E já que a viagem é bem sucedida, fácil, sem efeitos adversos perceptíveis, uma brincadeira mesmo, nós leitores voltaremos, em busca de novas oportunidades de melhorar.
Será possível, na imaginação, enfrentarmos as bruxas, os dragões, os castelos mal-assombrados, os abismos, as masmorras, os fossos fedorentos habitados por monstros terríveis e tudo mais, porque, no fundo, sabemos que possuímos em nós (sempre) todos os elementos necessários para vencê-los, ainda que estejam adormecidos há muito, muito tempo...

Descoberta

Seria descoberta o que me aconteceu ou acaso mais um resgate nesta já tão longa existência?
Experimento esta terra clara, sem cheiro, sem gosto, que se liga facilmente e vai-me permitindo, devagar, criar formas que são familiares para mim. Aprendi a trabalhar com argila ontem e a emoção do aprendizado foi enorme. Sentir a temperatura fria desta terra nas minhas mãos, que vai subindo à medida que o contato com ela vai aumentando... é maravilhoso. A argila permite esta troca de energia que é tão terapêutica.
Tomei uma porção de terra nas mãos e iniciei uma brincadeira de tentar moldar alguma coisa. Foi inútil. Percebi que não deveria conceber antes a imagem e passar a moldar as formas; pelo contrário, deixava minhas mãos livres para que, tocando a argila, como que fazendo carícias, ela cedesse à força das mãos e desvendasse a forma que seria então possível. À medida que eu percebia a forma em potencial e continuava alisando a peça, sentindo nas pontas dos dedos o que ela queria soltar, como queria exprimir-se... ela ia se revelando. Fui visualizando as formas, o nascimento da figura, as curvas do corpo que ia sendo moldado, a sua postura, a expressão do rosto, a totalidade da peça. Às vezes queria refazer algumas partes, acentuar uma curva, aumentar uma protuberância, afinar um traço e notava que, se quisesse realmente controlar algum detalhe, ele se perdia. Eu violentava a peça. Ela existia por si própria. O processo de criação, uma vez iniciado, tem vida própria. O artista tem que ter a sensibilidade de acompanhá-lo, seguindo seus passos apenas, sem desviá-los. De outra forma, mata a criação.
Moldar uma peça é como proceder no amor. Tocamos e sentimos o que o toque provoca no outro. Tantas vezes as reações são leves, tão sutis que podem escapar aos sentidos daquele que não estiver por inteiro na relação e assim se perde o melhor, o efeito não estará à altura do esperado. É uma relação. Depende de um e de outro. É preciso estar inteiro no processo da criação. Temos que captar as sutilezas para atingir o êxtase. De acordo com a sensibilidade do músico, será possível tirar, do mesmo instrumento, variadas qualidades de som. Assim é no amor, que é arte, e em qualquer arte.
Falei em resgate porque senti que já sabia fazer aquilo e sabia que alguma parte de mim havia registrado este conhecimento, esta vivência; então não foi uma descoberta... antes, foi redescoberta. Entrar em contato com habilidades perdidas no tempo é difícil de explicar, mas no fundo, bem lá no fundo, a gente percebe que já sabe aquilo.
Também no amor é assim. Há, em nossa alma, a vivência do amor verdadeiro. Nem sempre alcançamos o quanto sabemos amar porque o que importa não é o que o corpo sabe fazer nem o que a mente quer que o corpo faça; no amor, corpo e mente, juntos, conduzem à música orquestrada pela alma. Na relação com o outro o ego se perde, só quando ele cede a alma toma para si a condução do espetáculo, e só assim é grandioso porque é pleno, porque a alma sabe, porque já amou de verdade em alguma vida, em algum ego que já foi.
No amor, na arte, na arte do amor não há controle: há presença, agudeza de todos os sentidos, há entrega. E para a plenitude deve haver a transcendência dos sentidos. E no gozo, como na arte com argila, só se é tudo quando se permite não se ser nada. A peça só aparece quando não esperamos nada dela, quando soltamos as mãos, suavizamos os dedos para que, na dança com a argila, componham a música orquestrada pelo maestro maior que é Deus em nós, a expressão da alma.

Meditação

Li coisas interessantes por não ter o que fazer. Refleti sobre o lido por não ter o que fazer. Compreender o que seria... Não fazer nada é a chance de compreender. Fazer é compulsivo, é automático. Pelo menos o fazer sem consciência. Assim, não fazendo, temos a oportunidade da reflexão.
Não pensar. Pensar é dar explicações para si mesmo. Pensar é tentar explicar o que, por si só, é.
Quando apreendemos alguma coisa com os sentidos não justificamos nada, simplesmente captamos o que a coisa é. Valorizar os sentidos, ter a medida de suas possibilidades, ter atenção, é expansão da consciência.
Sair pelo mundo olhando, perceber a enormidade de cada coisa, dissecar as suas partes... Observar particularizando o olhar, mas sem deixar de ver o todo.
A minha proposta de agora é sair pelo mundo olhando mais detalhadamente, discernindo sons que me invadem, captando os odores, criando imagens a partir dos cheiros que sentir, provar os gostos do mundo como fazem as crianças, que levam tudo à boca. Mas levar à boca para sentir o gosto como um verdadeiro degustador. E tatear o mundo, sentir os contornos de cada coisa, me esfregar no mundo, em cada pedaço dele, tatear não só com as mãos, mas com todo o corpo, captando a textura, a temperatura e tudo mais. Ser através de todos os cinco sentidos e desenvolver outros que são potenciais. Intuir, saber sem saber, prever, estar acima das coisas, pairando sobre elas como a entendê-las, compreendendo seus motivos.
Potencializar o cérebro direito, permitindo que ele saia da clausura, podendo observar com maior abrangência.
Como transmitir para alguém, através da fala ou da escrita ou até da imagem, um passeio pelo campo num dia de chuva? Como passar a sensação do cheiro da terra molhada? Como fazer alguém compreender o que é ter as folhas secas das árvores estalando debaixo dos pés antes da chuva cair? É impossível transmitir a sensação do vento soprando, trazendo os perfumes e a frescura antes dos primeiros pingos de chuva. Como definir em palavras ou com traços num papel ou até mesmo com imagens de uma câmera sofisticada a simplicidade de um buquê de margaridas? Mesmo que a imagem tenha movimento, que haja som, ainda vai faltar muito, porque as margaridas são por inteiro, não se pode dissociar a imagem da leveza dos seus movimentos ao sabor do vento, do perfume que exalam e da frescura das suas pétalas se o orvalho já caiu ou não. A flor é tudo ao mesmo tempo e é interação com o que está à volta. Ela só compõe uma parte do quadro que a natureza forma.
Os pensamentos, as preocupações, as inquietações com o futuro, as prisões ao passado nos tiram do momento presente, da possibilidade de vivenciar cada coisa por inteiro. Nos tiram da vida.
Meditar é, em cada momento, estar presente realmente, com todos os sentidos.

Há Outras em Mim

Inquieta figura movimenta-se em mim.
Passeia de um canto a outro sem objetivo.

Ou prescrutando a vida, silenciosa,
em passos medidos, caminha com segurança,
talvez sabendo o que encontrará adiante.

Às vezes se solta,
indo decidida, balançando os braços,
olhando em frente, rumo à meta perseguida.

Mas um dia
corre desvairada, sem limites,
rasgando a existência, com desatino e coragem.

Algumas vezes
desafia o mundo, ignorando os obstáculos,
batendo de frente com as adversidades,
anestesiada de impulso.

Mas, tantas vezes,
esta figura se arrasta, sentindo cinza o caminho,
incapaz de levantar a cabeça e perceber fora,
tragada pela escuridão de dentro.
Logo se recupera curiosa, de olhos vivos, abre-se para o novo
e se inunda de imagens que, caleidoscópicas, se sobrepõem,
impressionando uma retina ávida de experiências.

Tenho enorme simpatia por aquela que é cega do mundo
e se orienta tão-somente ao captar o invisível,
traçando o caminho enquanto segue, sem rumo, sem destino,
desfrutando cada passo, vivendo intensamente.

(Ou será que minha avó tinha razão: “Esta menina é esquizofrênica.”?).

Viagem

Hoje estou acima, não vivo apenas o real, me comunico com outras esferas que, menos densas, me alimentam quando estou assim tão fora/dentro de mim.
E o contato com estes dois mundos, por vezes, é esquisito, e me arrepio toda por uma emoção que não vem do que apreendo com os cinco sentidos, que transcende e me acende de prazer.
É pura criatividade!

Preciosidade

Jóia, pedra lapidada,
às vezes pendo de um fio,
balançando levada
pelo movimento
de um pescoço voluntarioso;
outras vezes,
enfeitando a aliança de amor,
componho uma prisão simbólica
que pode até ser
um jardim florido sem muros.

Mas sou a expressão máxima de preciosidade
quando, como camafeu,
repouso na caixinha antiga,
talvez com bailarina e música,
atapetada por nebuloso algodão cor-de-rosa,
como saudade envolvendo
todo o significado
de um presente do passado.

Abandono

Sou uma pétala
esvoaçando
ao sabor do vento,
solta,
embora levada
por algo maior...

Nesta liberdade de ser,
seguindo a própria natureza,
estou em paz.

Atitude

Estou feliz porque vivo. Vivo e a vida se renova. E transforma o que hoje é desespero em tranqüila passividade. Todos os dias a chegada da noite e depois do alvorecer me fazem acreditar que assim também será em minha vida: a esperança sempre presente. Apesar disto, tantas vezes me aflijo em dúvidas sem razão de ser. Dúvidas que nada mais são que falta de fé, de crença numa energia superior que dirige meus passos, que prepara os cenários, que fornece os papéis e provê de talento o ator certo para aquele papel. Se penso assim, se me recordo de que certamente só viverei aquilo que tiver estrutura para enfrentar, me tranqüilizo e calmamente aceito o meu texto do momento, ansiosa por nova cena que, como a aurora, tranqüiliza e enche meu coração de alegria.

Os Livros

A idéia desta história me ocorreu ao saber da existência de uma biblioteca comunitária que, por ora, se localiza em uma casa no subúrbio da Penha, onde um ex-analfabeto aos 18 anos, hoje já um senhor, aguarda a boa vontade de empresários que se habilitem a fornecer os recursos necessários para a construção da sede onde funcionará a biblioteca dos seus sonhos.
Durante o documentário sobre o assunto, uma jovem lembrou a citação do dito senhor, de que livros são feitos para circular (aliás, como já foi falado sobre o dinheiro, a moeda, que, por isto mesmo, era circular) e que não se importava se, ao serem emprestados, os livros não fossem devolvidos, visto que não havia qualquer burocracia para tomá-los emprestados.
Fiz a imagem do livro como um garotinho travesso circulando por aí, ou como uma jovem curiosa e namoradeira correndo mundo atrás de novos contatos. Daí em diante os livros não mais seriam para mim, ao nível da materialidade, a conjunção de papéis, tintas, cola e outros artefatos. Seriam sim, entidades dotadas de vida, de sentimentos, de capacidade de expressar, atuar e interagir.
Assim imaginei a biblioteca dos sonhos deste abençoado leitor-doador de livros que seria apinhada desta “gente rica de idéias”.
Haveria áreas em que seriam alegres crianças barulhentas, hiperativas talvez, pulando, correndo, sendo espontâneas e despertando, nos seus possíveis leitores (companheiros de brincadeiras), a revivência da infância.
Outras áreas seriam compostas de gente responsável, ocupadas, sedentas do saber, de óculos, com páginas menos ilustradas, de letra pequena, com assuntos sérios. Este pessoal constituiria o círculo de amizade de muitos homens de negócios, estudantes de áreas tecnológicas ou mesmo eruditos mais taciturnos.
Alas mais abertas com prateleiras leves, seriam ocupadas por pessoas mais livres, de capas-brochura, com suas histórias de aventura, de busca de tesouros, conflitos com piratas e lutas com dragões imaginários. Este povo da terra dos sonhos traria para seus amigos o encantamento.
E me ocorre agora que livros, sendo, portanto, gente, providos de vida, carecem de laços com quem os tome.
Os livros nos mostram as verdades, as dúvidas, conversam conosco, explicam tudo. Livros desatam a chorar, nos molham e fertilizam com a carga de emoções dos sentimentos que mobilizam. Livros precisam de carinho, de espaço e de luz. Necessitam passear conosco e devem ser bem tratados. Não podem ficar confinados em estantes para cumprir apenas a função de compor o ambiente que ostenta pretensa sabedoria. Livros querem ser trocados, conhecer outros donos temporários. Livros se enternecem com aqueles que viram suas páginas com emoção e com aquele aperto no peito dos sedentos de conhecer os que eles lhes trazem.
Às vezes os livros são insondáveis, mesmo para os que se debruçam sobre eles tentando decifrá-los. Talvez, para estes, ainda não tenha chegado o tempo de desfrutá-los completamente.
Muitas vezes são inusitados, contribuindo com o novo, inspirando um mundo de possibilidades para seus leitores.
Algumas vezes estes diabinhos nos fazem sofrer quando nos envolvemos com eles a tal ponto que passamos a viver a sua história.
Livros são instigantes, abrindo, em nossa vida, portas que pareciam nem existir e há, como em todos os mundos, “pessoas” não tão apropriadas, mas que, ainda assim, merecem ser conhecidas, por propiciarem experimentar a polaridade da vida.
Entretanto, o que me fascinou, sobremodo, nesta nova visão que tive dos livros, foi imaginá-los como gnomos. Pensar que nesta nova forma eles não são vistos por todos, apenas por aqueles que sabem de sua existência e têm sensibilidade para percebê-los. Eles fazem parte do mundo invisível, são subjacentes à realidade, enquanto fazem parte dela.
É isso: não só com os livros, como com qualquer outra coisa, perceber o que está por trás da realidade material é fascinante e enriquecedor.

Mudanças

Sou apenas uma folha ao vento. Folha de outono que tem época certa para cair.
Quando escrevi isto estava solta, me preparando para a mudança que viria. Tinha um pouco de medo, o que é natural para os que buscam sempre a segurança. No entanto, sabia que meu amadurecimento já tinha ocorrido, que era chegada a hora de cair do pé.
Era preciso morrer, desconstruir, varrer tudo o que já existia e não mais me satisfazia, deixar o campo livre para a nova semeadura.
Hoje, quando já passou o tempo, os ventos já tiraram as folhas das árvores, o espaço já está novamente preenchido pelo novo, não há mais vento e somente uma brisa amena toca meu rosto, vejo que nem tão difícil assim foi. Houve lamentações, resistência, teimosia. Sinto que tantas vezes finquei o pé e pensei em não sair de onde estava a qualquer custo. Mas o cansaço natural pela própria mudança que se instalava quebrou a última resistência e, finalmente, eu me entreguei ao novo. Deixei que a vida tecesse a nova teia onde hoje me abrigo. Teia que me envolve, toca de leve e me enreda outra vez, até que chegue o momento de novamente varrer os fios cuidadosamente traçados, antever o caos e sofrer pela desconstrução, mas poder experienciar, então, a alegria de traçar um novo caminho. E, surpresa com a edificação nova, há necessidade de reunir as habilidades, concentrar-me no processo e ser feliz de poder renascer, fênix liberta.