quarta-feira, 11 de março de 2009

Poesia

Como é difícil necessitar da poesia, do sonho, do belo, do toque sensível e mágico, do olhar... e ter nada disso.
Ao contrário, ser atropelada pela dura realidade que não olha, que é cruel dentro das suas expectativas, que impõe e dá um banho de água fria na nossa emoção.
Há momentos em que sou só sensibilidade, que me desmancho por dentro, que preciso de alguém que me acolha, que me coloque num pires, que me dê limites e que este pires seja de porcelana com florzinhas pintadas à mão, que me remetam ao chá, à música, aos encontros de amor ou amizade, à vida interior plena e bela.

Contradição

Calor insuportável. Sol a pino. Eu imprensada entre um caminhão e um ônibus de turismo. A música alta no carro. Os vidros totalmente fechados. Nenhum ar, tudo me oprime, principalmente a sensação da inutilidade de viver nesta cidade horrorosa, agressiva, doida, que cria tensão, que dá medo, que é corrupta e nojenta. Sustos, indignações, inferno escaldante todos os dias, antes, durante e depois do trabalho. Carros enguiçados, rostos contraídos, ônibus apinhados de passageiros sem opção, sem destino.
Mas, ao olhar para o lado, encontro o rosto que sorri de tudo isso e compreendo seu sentimento de estar acima de todas estas coisas que fazem parte do caos; de saber que, quando quiser, pode estar num lugar calmo, fresco, com olhares doces e mãos que tocam profundamente.

Consciência

Venho de um lugar de águas turvas que me impediam de ver adiante. Nadei exaustivamente, buscando enxergar as cores, sentindo o peso do desconhecido que me assusta e transforma em ser frágil conduzido pela correnteza formada pelos que se acercam de mim e conseguem me levar para onde, às vezes, não desejo nem imagino ser possível. Mas a escuridão se foi e agora, resgatada por mim e pela claridade desta manhã de compreensão profunda, já consigo ensaiar movimentos ondulantes em águas azuis de ser feliz outra vez.

Roubada

Roubada. Assim me sinto hoje e tenho estado desta forma na maior parte das vezes. Roubada de mim mesma, saqueada na minha energia, na minha paciência, na minha capacidade de amar. Eu preciso de mim: tenho que ouvir meus gritos abafados, meu choro contido que parece que vai explodir meu peito. Não consigo me dedicar a mim, eu que conheço agora tanto mais sobre minhas necessidades. Por que é que tenho que ignorar meus pedidos, já quase súplicas, adiar meu desejo, me tratar como se dura eu fosse quando extravaso em sensibilidade? Eu que não sou seca, que broto umidade de todos os poros, eu que anseio me expressar com sentimentos, eu que estou frágil e de tão vulnerável me derreto e perco os limites de mim, tonteio e morro. Morro, sim, a cada dia, morro de asfixia crônica, por não poder respirar o que sou. E eu sou tanto e gosto tanto do que sou, que só a morte poderá me impedir.
Eu, ainda lagarta, presa, gosmenta por estar ligada a um casulo que me aprisiona, já sinto em mim a leveza, a beleza, a possibilidade, a transmutação em borboleta que sou.

Auras Entrelaçadas

Eu estava distraída, envolta em pensamentos, quando fui arrancada deles, de súbito, por uma tela à minha frente com um poema de Manuel Bandeira. Dizia ele: “Meu verso é sangue. Volúpia ardente...” e por aí vai. Enquanto chegava ao meu destino, pelo metrô, fui reparando nos cabelos longos, lisos, castanho-claros, pesados que me dificultavam ler os versos impressos na camiseta branca muito limpa. As costas eram largas, embora suaves, como asas. Ponderei que aquela mulher era diferente da maioria. Imediatamente fiz a ligação: é que tenho uma pessoa muito especial, o meu amor, que tem costas como aquelas. Era tarde de calor e, por isso, aqueles cabelos eram constantemente afastados das costas para, talvez, refrescar a nuca, o que expunha pedaços daqueles versos despudorados.
Mas eu sabia que, mais que os versos, me chamava a atenção a pessoa que os carregava e passei a perscrutá-la então.
Os cabelos bonitos... Eu ia cortar meus cabelos aquele dia, eles que são para mim o termômetro para meus estados de humor: se fervo por dentro, eles se eriçam; se clamo por liberdade, eles se rebelam, desarrumam, esvoaçam; se repouso mansa depois do amor, eles sossegam, perfeitamente alinhados e macios. Meus cabelos são porta-vozes de minh’alma.
Chegamos à estação e quando se levantou, que surpreendente! Não era uma mulher e sim um rapaz. E que rapaz! Virou-se para levantar e me expôs o rosto claro, quase alvo, de traços finos embora meio retangular na forma, de barba cerrada e um bigodezinho que apenas se insinuava sobre os lábios vermelhos, como a tentar protegê-los de alguém assim tão invasivo como eu. O pescoço era firme, sustentava uma cabeça ereta, plena de idéias... e de sonhos. Carregava nas mãos um livro. Este, eu havia reparado, ia lendo durante o percurso, sublinhando os pontos de destaque. Lia o livro calmamente enquanto se remexia vez por outra no banco. Sobre o que versava aquele livro? Não pude lê-lo junto nem olhar sequer o título ou o autor na capa. Era um mistério!
O rapaz era um mistério a ser desvendado. Tinha de sabê-lo apenas com os elementos que me fornecia, sem intenção: pelo andar, os detalhes do corpo, a postura, o olhar...
Era um rapaz de costas largas embora leves, suaves, que portava um livro, somente um livro nas mãos, que carregava com delicadeza, sem apertá-lo. Caminhava com segurança, tinha uma boa base nos pés largos e grandes, protegidos por uma sandália franciscana amarronzada; as pernas eram bem torneadas, cabeludas, com joelhos roliços, muito pouco rígidos, o que lhe conferia um balanço no andar, uma malemolência gostosa de observar. E as coxas? Eram grossas e dava para sentir que seriam leves ao toque. Imagino que ele devesse apenas pousar as coxas em contatos mais íntimos. A pélvis era solta, não lhe servia como escudo ou objeto de exibição nem dominação. Era suave, não ostentava nem agredia, somente oferecia. Barriga não tinha, com certeza praticava algum esporte. Parecia tão saudável e expunha nas costas versos que falavam, num realismo poético, sobre sentimento.
Assim saí pela estação do metrô despreocupada e, na escada, reparei que casualmente estava na minha frente. Fui atrás dele, como se de alguma forma me atraísse. Não só os versos, ele todo. Um rapaz daquela idade, geralmente, não tem uma expressão tão grave. Andar e doçura de menino curioso, costas aladas e no rosto a barba séria. O tórax largo, trabalhado pela ginástica, guardando um coração grandioso certamente, isso me diziam suas mãos largas de pele fina, protetoras e doadoras: mãos generosas e intuitivas. É que eu sei ler nas mãos tipos de personalidade. Trabalho com isso, não por intromissão, mas por curiosidade e vontade de conhecer o outro mais profundamente.
Agora percebo o que me atraiu nesse rapaz: era alguém profundo. E fui sendo conduzida por ele, pela vontade de conhecê-lo melhor. Ele se afastou, tomou outra rua, atravessou bem antes de mim e nos distanciamos. Pude vê-lo de longe, indo embora para cumprir seu destino e eu... ia cortar os cabelos. Pensei: nem pude ler todo o poema.
Continuei a caminhada. E não é que ele resolveu voltar pela mesma rua que eu tinha tomado e agora estava novamente na minha frente? Agora seria eu que o atraía? O meu interesse por ele? Percebera em minha aura as semelhanças entre nós? Não sei. O fato é que podia agora voltar a observá-lo. Ele olhava para os lados, para as pessoas, os braços escorriam ao longo do corpo, fortes, protetores, iam para frente e para trás num movimento compassado, como se fosse um remador.
E o pescoço grosso, firme mas flexível - não sei se em função da idade ou por natureza mesmo - era um pedestal para a cabeça plena, de cabelos fartos e longos. Nossos passos eram ritmados. Buscava acompanhar o seu ritmo para não ultrapassá-lo, embora eu tivesse pressa. Mas não queria deixá-lo. Era como um irmão. Era um irmão mesmo, uma alma fraterna.
Aí, enquanto absorvia aquele ser que se encaixava perfeitamente em mim, passei a seu lado e o ultrapassei, seguindo meu rumo. Na verdade, não passei por ele, passei-o para mim, tomei-o, ficou sendo parte de mim. Saí na sua frente mais leve, mais jovial, cheia de sonhos, com a sua esperança e boa vontade para com o mundo. Agora eu era aquele rapaz, ele era uma subpersonalidade minha, foi uma obsessão voluntária, ao inverso. E eu, me tornei não pesada como os obsediados comumente ficam, mas clara, iluminada, gostando mesmo daquilo.
Em casa, procuraria o poema de Manuel Bandeira e dormiria, à noite, em paz.

Saudade

Saudade é como um grito, é um gemido no meio da noite.
Saudade é um lastro, é pingo de sangue deixado no chão.
Saudade é ir morrendo devagar como o sentimento de amor que vai apagando na distância.
Ou não.

Volta à Vida: experiências no limiar da morte

Volta à Vida: experiências no limiar da morte - D. Scott Rogo

É uma análise de outros trabalhos anteriores de pesquisadores interessados em EQM (experiências no limiar da morte) e traz duas contribuições importantes:
- destacar que as EQM’s têm aspectos psicológicos, neurofisiológicos e paranormais;
- e que nem sempre as ‘viagens’ são tranquilas, que há EQM’s assustadoras.
É um livro excelente porque discute os achados de vários autores mais ligados a este tema: Raymond Moody, Kenneth Ring, Stanislav Grof, Michael Sabom, Melvin Morse e outros, com uma visão bem eclética, considerando, ainda, a posição dos céticos.
Também, como é um trabalho de revisão, dá para os leitores que estão tendo o primeiro contato com o assunto entenderem perfeitamente o que são experiências de quase morte, porque ele apresenta, na íntegra, a descrição do que aconteceu com várias pessoas que estiveram perto da morte e depois voltaram à vida e puderam contar como deixaram seus corpos físicos, o que viram, o que sentiram, quem encontraram, para onde foram, a percepção por eles dos procedimentos realizados pela equipe médica para os ressuscitarem; enfim, mostra todos os acontecimentos vividos por estas pessoas enquanto estavam num estado alterado de consciência.
Mostra, ainda, o conteúdo de várias ‘viagens’ provocadas por drogas psicodélicas ou por anestésicos.
É um livro excelente, um dos melhores sobre o assunto. Recomendo a todos os interessados nas seguintes questões: experiências de quase morte, viagens extracorpóreas e psicologia transpessoal.

O Canto da Sereia

Quem ainda não sentiu um apelo tão forte, de qualquer natureza, que fez com que sua visão ficasse ofuscada e partisse guiado apenas pela atração fatal em busca de alguma coisa que, sentindo ser verdadeira, perseguiu até o infinito, ultrapassando seus próprios limites e, talvez, tendo acabado a ilusão, se descobriu traído ou derrotado ante a verdade crua, exposta (a dura realidade)?
Como condição arquetípica, todos nós já nos encontramos enredados por ilusões (seja no amor, no trabalho, na família). E para alguns, mais afeitos às fantasias, isto pode ser muito freqüente.
Importante estarmos atentos ao examinar determinada questão ou nos relacionarmos com alguém, já que há sempre pistas que nos alertam para a possibilidade de tratar-se da fantasia (ouvimos o canto e não vemos a mulher linda). Há um quê de improvável, um certo véu nubla a nossa visão, as promessas ultrapassam nossas expectativas, a pessoa não aparece ou usa outras formas de comunicação virtual, a situação não encaixa com o contexto ou seja lá o que for. O certo é que algo nos faz duvidar da veracidade dos fatos ou da realidade e idoneidade das pessoas envolvidas. Entretanto, aquela parte de nós que sonha se deixa persuadir, cresce e segue enfeitiçada em busca do objeto do seu desejo. Até a derrocada final, quando cai atingida pela claridade ofuscante do real impiedoso que finalmente se mostrará.
Todavia, não é vetado ouvir o canto da sereia. Ainda que só nos deixemos embalar pela voz maviosa, sem cair no sono profundo da insensatez e depois jazer nas garras de algum monstro horroroso.
A fantasia alimenta a alma e pode ser o preâmbulo das grandes realizações e conquistas. Afinal tudo acontece, antes de se tornar realidade, em nossa imaginação.
É fato que nosso corpo e nossa mente podem responder prontamente ao que compomos em nossa imaginação, sendo possível alterar processos orgânicos e estados mentais com mudanças de humor ou mesmo curar doenças através de técnicas de visualização de imagens. Podemos nos beneficiar muito com isto. Como tudo no universo, ao considerarmos a ilusão - o canto da sereia - estaremos na dependência do ponto de vista, não sendo intrinsicamente bom nem mau, cabendo a cada um de nós, em cada circunstância, determinar o modo de vivê-la. Assim, em mar bravio, tanto pode o marinheiro recobrar as forças nos braços da sereia até que o pior passe, como segui-la, ignorando os perigos, sendo vítima de naufrágio fatal. A escolha é sempre nossa.