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domingo, 14 de dezembro de 2008
P’ra Minha Avó
Não era fofinha nem risonha. Ela era alta, magra e raramente sorria. Exigia respeito e, em sua casa, quem gritava era só ela. Mas geralmente falava baixo e era ouvida sempre. E adorava assoviar. E balançar obsessivamente o molho de chaves que carregava quando saía. É que ela morava sozinha e gostava muito de rua. E de pessoas - seja para encontrar e conversar nas suas idas à padaria, à quitanda, ao açougue, à farmácia ou ao armarinho, geralmente para comprar coisas para minha mãe e nossa família; seja para criticar. Criticava toda gente e suas vidas erradas (do ponto de vista dela, é claro). Acho que eu a adorava exatamente por isto, porque sua crítica não era a que encontramos comumente, pois ela não era convencional e não esperava das pessoas comportamento tradicional. Pelo contrário, o que criticava eram as mulheres submissas aos maridos que se mantinham em casamentos falidos por falta de coragem de ir à luta; eram homens covardes que hostilizavam suas esposas; mulherengos que as humilhavam com suas conquistas baratas e, principalmente, a ignorância das pessoas.
Simpática? Nem um pouco. Só bem mais tarde, na velhice, às vezes se emocionava e até chorava quando, na rua, as pessoas a paravam para elogiar a vitalidade apesar da idade avançada e o perfume gostoso que sentiam nela.
Tinha um rosto duro, quase repulsivo, de quem foi rejeitada pela vida. Era compreensível, já tivera muitas perdas: teve um irmão querido assassinado aos 21 anos, enviuvou aos 26 anos, a filha mais velha suicidou-se em depressão pós-parto aos 23, deixando para ela criar uma neta com 2 anos e um neto de 2 meses. Não teve vida fácil e, apesar de sentir a ação da morte em tenra idade, foi apaixonada pela vida e recusou-se a deixar de amar. Perdido o marido militar, com duas filhas para criar, sem pensão (direito que não existia no seu tempo de jovem), amou ainda duas vezes de verdade. E isto lhe valeu, pelo rigor dos conceitos de sexualidade daqueles tempos, a rejeição da família pelo preconceito. E, de quebra, mostrou um sentimento de rancor pelos homens que lhe conferiu uma atitude de defensora das mulheres, a quem passou a alertar quanto ao perigo do casamento que deveriam evitar, a todo custo, caso fossem inteligentes. Assim despertou em mim e em minhas irmãs o gosto pela independência.
Esteve sempre próxima de nós. Ela era quem comprava os tecidos para que minha mãe costurasse nossas roupas; ela fazia as compras de casa todos os dias, já que adorava ir à rua; ela nos visitava diariamente, sempre à mesma hora, e já chegava almoçada, embora ainda não fosse meio-dia.
Era extremamente simples, sem vaidades, tinha uma beleza própria, era muito atraente e muito, muito diferente das mulheres do seu tempo. Era forte e sem frescuras. Sabia matar galinha e era quem cuidava da carne, coisa que, por sua habilidade de cirurgiã (que só não foi por acaso), eu adorava ver e em que me inspirei na profissão bem mais tarde. Só ela dava injeções na família e, na maturidade, esta habilidade lhe serviu para justificar as saídas à noite quando ia namorar, viva que era.
Só mais tarde, na sua vida, passou a ganhar a merecida pensão militar e, desde então, exerceu, de fato, sua independência natural. Gastava seu dinheiro como queria, trocava de móveis freqüentemente em sua casa, comprando-os e exigindo que fossem levados imediatamente, pois só pagaria quando os recebesse. Nos dias de pagamento sempre nos trazia um saquinho de balas boneca. Esta é uma lembrança doce que trago dela.
E por ser quem era, tão fiel a si mesma, me serviu de exemplo. E o que mais admirei nela, a vida inteira, foi ser livre, tendo nada cobrado de ninguém. Tanto que minha parte também livre sempre quis ter uma mãe como minha querida avó.
Simpática? Nem um pouco. Só bem mais tarde, na velhice, às vezes se emocionava e até chorava quando, na rua, as pessoas a paravam para elogiar a vitalidade apesar da idade avançada e o perfume gostoso que sentiam nela.
Tinha um rosto duro, quase repulsivo, de quem foi rejeitada pela vida. Era compreensível, já tivera muitas perdas: teve um irmão querido assassinado aos 21 anos, enviuvou aos 26 anos, a filha mais velha suicidou-se em depressão pós-parto aos 23, deixando para ela criar uma neta com 2 anos e um neto de 2 meses. Não teve vida fácil e, apesar de sentir a ação da morte em tenra idade, foi apaixonada pela vida e recusou-se a deixar de amar. Perdido o marido militar, com duas filhas para criar, sem pensão (direito que não existia no seu tempo de jovem), amou ainda duas vezes de verdade. E isto lhe valeu, pelo rigor dos conceitos de sexualidade daqueles tempos, a rejeição da família pelo preconceito. E, de quebra, mostrou um sentimento de rancor pelos homens que lhe conferiu uma atitude de defensora das mulheres, a quem passou a alertar quanto ao perigo do casamento que deveriam evitar, a todo custo, caso fossem inteligentes. Assim despertou em mim e em minhas irmãs o gosto pela independência.
Esteve sempre próxima de nós. Ela era quem comprava os tecidos para que minha mãe costurasse nossas roupas; ela fazia as compras de casa todos os dias, já que adorava ir à rua; ela nos visitava diariamente, sempre à mesma hora, e já chegava almoçada, embora ainda não fosse meio-dia.
Era extremamente simples, sem vaidades, tinha uma beleza própria, era muito atraente e muito, muito diferente das mulheres do seu tempo. Era forte e sem frescuras. Sabia matar galinha e era quem cuidava da carne, coisa que, por sua habilidade de cirurgiã (que só não foi por acaso), eu adorava ver e em que me inspirei na profissão bem mais tarde. Só ela dava injeções na família e, na maturidade, esta habilidade lhe serviu para justificar as saídas à noite quando ia namorar, viva que era.
Só mais tarde, na sua vida, passou a ganhar a merecida pensão militar e, desde então, exerceu, de fato, sua independência natural. Gastava seu dinheiro como queria, trocava de móveis freqüentemente em sua casa, comprando-os e exigindo que fossem levados imediatamente, pois só pagaria quando os recebesse. Nos dias de pagamento sempre nos trazia um saquinho de balas boneca. Esta é uma lembrança doce que trago dela.
E por ser quem era, tão fiel a si mesma, me serviu de exemplo. E o que mais admirei nela, a vida inteira, foi ser livre, tendo nada cobrado de ninguém. Tanto que minha parte também livre sempre quis ter uma mãe como minha querida avó.
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