sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Recesso da Realidade

Creio que essa época de festas, o Natal, pode ser sentida por muitas pessoas como um tempo em que elas têm o direito de estarem protegidas da realidade com suas dificuldades cotidianas, um tempo em que a fantasia impera e sonhamos com um mundo maravilhoso, cheio de cores, carinhos, presentes, desejos satisfeitos, pessoas afetuosas e gentis, esperanças, repleto de amor e abundância.
Cada um de nós tem todo o direito de viver este estado de espírito. Isto é lindo e cria uma aura de beleza que envolve aqueles que o vivenciam desta forma e se expande, afetando também aqueles que são menos dotados da capacidade de abstrair ou mesmo incapazes de ignorar que, apesar do Natal, o mundo continua o mesmo, apesar da enxurrada de propagandas dos lojistas e do apelo da mídia para atenuar o clima de horror que ela mesma alimenta durante todo o ano.
Entretanto, esta facilidade de podermos voltar a ser crianças, sentindo desta forma nas semanas das festas, que faz tanto bem a todos nós, pode ser exercitada, nos capacitando a mudar o nosso estado de espírito, mesmo frente aos momentos estressantes de perda e de dor, conseguindo estar em paz. É tipo poder ser feliz, sentir-se em paz sem que para isso tenhamos que esperar os fins de semana, as férias, as festas.
E creio que encontrar o sentido profundo de transformação, de renascer depois de uma morte simbólica, de deixar surgir o novo quando o velho já caducou em nossas vidas, a partir da elaboração, discussão e inspiração que vêm quando o tema é a morte, pode ser interessante apesar de ser dezembro.

A Morte Nossa de Cada Dia

Votei neste tema tão inspirador e logo sabia que iria participar com algum texto. É que a morte sempre marcou a minha vida, desde pequena. Não que eu tenha perdido muitas pessoas desde cedo. Pelo contrário, perdi meu pai quando tinha 42 anos e minha mãe aos 49. A minha avó materna perdi aos 39 anos e antes disso, só um primo querido quando eu estava no ginásio e uma cunhada que era como uma irmã, aos 47 anos. Apesar disso, muito criança eu ficava inquieta e tremia só de pensar na possibilidade da morte dos meus pais, minha avó ou meus sete irmãos. Fantasiava sobre isso, me sentia atormentada por qualquer alusão à morte ou doença. Não foi por acaso que decidi ser médica. Talvez pensasse em poder superar a morte. Acho que todo profissional dessa área gosta de brincar de Deus. Só que ao longo de minha vida descobri que para tratar o medo da morte, o segredo é o mesmo que para lidar com outros medos. É preciso chegar perto, enfrentar ou pelo menos conhecer. O medo de algo desconhecido se intensifica, fugir de algo que se teme não é boa coisa. E como filha de Plutão que sou, de qualquer forma a morte iria correr atrás de mim, até que eu me tornasse sua amiga e assim ela deixasse de me incomodar.
E foi dessa forma que presenciei a morte de várias pessoas, desde quando estava na barriga de minha mãe, que fui atraída por uma especialidade em que durante mais de 20 anos fiz autópsias, até que há uns 10 anos me interessei por terapia de vidas passadas e estou mais ligada a esta prática atualmente.
Não sinto mais qualquer desconforto diante da morte, não porque não sofra com as perdas ou ache natural que o corpo deteriore. Aprendi a aceitar a finitude da vida e acredito mesmo que este detalhe seja um fator de enriquecimento da nossa existência. Mas gostaria que a morte fosse um processo natural, sem tanto estresse por negação e sem tanta parafernália, e sim como era antigamente. Mas tudo tem o seu lugar neste mundo e cada um morre conforme vive.
Penso que refletir sobre a morte todos os dias nos ajuda a evoluir, a tomar atitudes e fazer escolhas mais apropriadas na vida. Tenho habilidade para lidar com doentes terminais que têm muito a nos ensinar e creio que a morte sempre funciona como uma oportunidade para os que estão próximos, podendo ser um ponto de mutação, desde que seja encarada com a dignidade que desperta quando aparece em nossas vidas.