segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Renascer das Cinzas

Renascer pressupõe morrer: morte de fato ou morte em vida, morte do ser ou de algo que se relaciona a ele. Mas sempre à morte, à polaridade vida x morte. E se há renascimento, há superação.
O ano começou com a tragédia na região serrana do Rio e agora, no fim de janeiro, passadas duas semanas do desastre, o tema renascimento me remete a estes tristes acontecimentos sob forma de oração.

Que aqueles que morreram encontrem a paz e sigam seu caminho de evolução espiritual.
Que os que perderam familiares, amigos, conhecidos ou semelhantes se conformem e continuem suas vidas para que ia renasça a esperança em sues corações.
Que aqueles que aguardam a localização dos desaparecidos na tragédia se fortaleçam a cada dia enquanto esperam a identificação do corpo, a alegria do encontro se o desaparecido estiver vivo ou a aceitação, se não puder ser encontrado.
Que o medo possa ser superado por todos com o passar do tempo e que, para isso, sempre procurem ajuda.
Que as perdas materiais sejam superadas com a ajuda daqueles que têm compaixão, com o socorro do Poder Público cumprindo seu papel com competência e decência.
Que os diretamente atingidos consigam se recuperar através do trabalho e da conformação, mas, acima de tudo, as perdas materiais sejam aproveitadas como a comprovação de que tudo é impermanente e que, portanto, a vida precisa ser vivida com responsabilidade a cada segundo, principalmente por aqueles que não foram atingidos diretamente.
Que os atingidos pela catástrofe aos poucos encontrem, dentro de si mesmos, os meios para renascer das cinzas, através da superação das perdas dos entes queridos, dos seus imóveis e bens materiais, mas, sobretudo, reavivando a esperança num futuro em que seus sonhos poderão ser reconstruídos e suas estabilidade e paz possam ser resgatadas, acrescidos da experiência de amor fraternal compartilhado nos momentos da dor.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Renascimento: Descoberta

Pedro e Maria, colegas de faculdade. Atração, desejo, descobertas, proximidade, rotina, compatibilidade. Fim de curso. Novos rumos. Saudade. Vontade de viverem juntos. Famílias próximas. Casamento. Felicidade. Primeiro filho. Primeiras dificuldades. Outro filho. Maior aproximação. Prosperidade. Afabilidade mútua. Sentimentos mornos. Mais outro filho. Retorno do carinho. Afastamento sexual. Mais trabalho. Envolvimento com filhos. Maria mais presa ao lar. Pedro mais maduro, assoberbado pelos compromissos na empresa. Rotina. Cansaço. Desinteresse mútuo. Afabilidade. Sentimentos frios. Carinho. Respeito. Ambos voltados para a criação dos filhos. A vida segue. Pedro e Maria quase nunca sós. Férias esparsas. Fins de semana cheios e voltados para a família. Não trocam mais olhares cúmplices. Não se amam mais. Pedro calado, afável, distante quase sempre. Maria ocupada, certa da felicidade familiar, segura na solidão a dois. Filhos criados. Um dia, um fato: Pedro está diferente. Quase não para em casa. Esconde, por trás do jeito sério, um sorriso quando volta. Maria repara nele e se pergunta o que há. O tempo passa. Pedro diferente, com ela ainda é o mesmo, exceto por um distanciamento corporal crescente. A dúvida: terá outra? Tudo então se acende em Maria, retornam os sentidos aguçados. Outra vez ele povoa seus pensamentos. Seus olhos buscam o de Pedro, que se esquiva. Fareja novidade, interroga-se sem resposta. Repara, procura, investiga. Maria passa a seguir Pedro. Às vezes recorda-se de que ele desejava conversar e ela adiava. Mas tudo voltou a se aquietar e a conversa ficou pra depois. O medo. De longe, Maria segue os passos de Pedro. Enfim, a descoberta: Pedro tem outro. O susto.
Atônita, arrasada, humilhada, se esquiva e volta para casa. Chora, revolta-se, reflete sobre os sinais que Pedro lhe dava e ela não enxergava. A constatação: traída pelo marido com outro homem. Seu mundo despenca, sua cabeça roda, seus olhos derramam lágrimas inesgotáveis. Dorme sozinha, curvada como um feto. Sonha e liberta-se. Acorda e o primeiro pensamento é: por que um homem? Reflete. Aceita? Passa o tempo. Pedro e Maria conversam. Ela fala, grita, interroga, desatina, chora, berra, sofre e cai até que a lucidez retorna. Sozinha, pensa nas poucas palavras de Pedro: estou seguindo meu coração e meu desejo. Esforça-se para compreender. Gosta dele, tem respeito por ele. Tenta absorver tudo aquilo. Corre o tempo. Maria entende que não é algo pessoal, é o destino dele. Aceita, finalmente, o fato: seu marido é homossexual. E ela? Por que se casou com um homossexual? Tenta entender. É um longo processo.
Separam-se sem litígio. Os filhos participam de tudo. Nada fica escondido. A verdade é íntegra. Há desequilíbrio. Há ajustes.
Agora, passados muitos meses, ainda se veem. Maria olha Pedro que agora é outro. Encanta-se, desconcerta-se. Ele é mais solto, criativo, mais pleno, mais vital. Apaixona-se. Não pelo ex-marido, mas por Pedro agora renascido, intenso, profundo, inteiro, revitalizado, feliz. Sabe que ele não é mais seu. Compreende tudo. Agradece a oportunidade que a vida lhe deu.
Parte em sua própria busca, plena de possibilidades.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro

O que dizer sobre o acontecido, quando as imagens falam por si mesmas? A única resposta é o silêncio. A dor e a noite silenciam as vozes que gostariam de gritar seu desespero diante de tão súbita e aterradora ocorrência.
Na verdade, foi um desastre anunciado há muito tempo, embora sua proporção tenha sido uma grande surpresa que ainda por cima ocorreu durante a madrugada.
Todos nós, moradores do Rio de Janeiro ou não, estamos muito abalados e o povo brasileiro tão solidário nessas catástrofes acorre imediatamente com ajuda e solidariedade.
Mas o tempo vai passar, as chuvas irão cessar, a terra vai secar, assim como o pranto, e tudo será reconstruído, não se sabe quando, até as vidas dos atingidos pela calamidade.
Tudo passará. Nada fica para sempre. Nem a felicidade nem a dor. Tudo é um ciclo que se repete e repete sempre. É a vida.
E algo tão grandioso, nos faz pensar que o momento presente precisa ser mais valorizado em toda a sua magnitude. Precisamos ficar mais atentos para o que fazemos a cada dia de nossas vidas, o quanto aproveitamos cada momento de paz, o quanto declaramos do amor que sentimos e o quanto ainda somos capazes de fazer sofrer por nossas bobagens, intransigências, orgulho e desrespeito cotidianos justamente àqueles que nos são mais próximos, para que não precisemos ser despertados em consciência por uma desgraça desta monta, capaz de nos fazer corrigir o passo na vida.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Vivendo a Diferença (Homossexualidade)

A exposição que os homossexuais tiveram a partir do aparecimento da AIDS acelerou o processo de reflexão da sociedade. Mas, trouxe com ele, relacionado ao medo, um incremento da homofobia.

Ora, se Deus é amor, não vejo como o encontro de dois seres que se amam, ainda que o objetivo não seja a procriação, possa estar em desacordo com os princípios da lei de Deus. Contudo, a hipocrisia sempre acompanhou a homossexualidade. Os homossexuais têm o direito de expressar a sua natureza, desde que não venham a constranger os outros (de acordo com os padrões de cada sociedade) com atitudes jocosas que denunciam fraqueza e tentativa de impor a sua diferença, ao invés de naturalmente se colocarem na sociedade, contribuindo para que, progressivamente, sejam vistos como pessoas normais e sujeitas, a princípio, às mesmas dificuldades de adaptação ao mundo que os heterossexuais. Cada um de nós tem o direito à livre escolha de, no seu íntimo, aceitar ou não a homossexualidade no outro (colocando seu ponto de vista claramente ou fazendo vista grossa) e em si mesmo, se for o caso (manifestando sua verdade, reprimindo a sua expressão ou ainda reagindo à sexualidade alheia). Entretanto, ninguém tem o direito de desrespeitar, hostilizar ou agredir o homossexual.
No mundo da expressão material, é difícil para cada ser viver de acordo com a verdade que vem do seu espírito, qualquer que seja seu aspecto, inclusive com relação à sexualidade. É preciso individualizar sempre e perceber que homossexualidade não implica, necessariamente, em perversão. E que os estereótipos aparecem como uma forma de se fortalecer para lutar contra a exclusão advinda do preconceito. Entretanto, indivíduos homossexuais nem sempre se desestruturam na afirmação de sua sexualidade numa sociedade que tenta reprimir o que parece diferente. Há, a cada dia, homossexuais mais harmonizados com a sua natureza, que se colocam na sociedade sem medo do desrespeito e vivem relações estáveis, equilibradas, sujeitas aos mesmos altos e baixos dos relacionamentos heterossexuais e baseadas em laços de amor onde os parceiros mostram um bom autoconhecimento, podendo prescindir de ligações juridicamente respaldadas. Mas é claro que há os homossexuais que se desestabilizam, que sofrem com o preconceito e vivem relações superficiais, o sexo pelo sexo, estando mais sujeitos a doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a AIDS (assim como ocorre com os heterossexuais), onde só a proteção no nível material (preservativos) muitas vezes é ineficiente, quando existe o desequilíbrio energético pelas experiências vividas por um espírito conturbado.

A sexualidade é assunto de grande complexidade, quando deveria ser vivenciada com simplicidade. O homossexual é um ser diferente e a aceitação da diferença, com toda a dificuldade que ela traz, começa com a autoaceitação e o respeito por si mesmo. E é pena que a noção de pecado sustentada por algumas religiões ainda consiga enfraquecer aqueles que tanto necessitam compreender a sua natureza que é inquestionável e se manifesta desde tenra idade, gerando tanta repressão e consequente frustração ainda nos dias de hoje, o que inevitavelmente leva a projeções, camuflagens e violência auto e heterodirigida.

Cada pessoa tem seu caminho de desenvolvimento espiritual, cada qual com a sua natureza. Ser homossexual não é necessariamente bom ou ruim. Apenas é. E o importante é como cada homossexual vive a sua sexualidade em todos os âmbitos de sua vida e nas relações consigo mesmo, com o outro, com o mundo e com a espiritualidade.

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Boneca

Rostinho rosado de porcelana, os olhinhos vivos e amorosos. Vestidinho vaporoso e azul esverdeado qual água marinha. Ela me conquistou ao primeiro olhar. Era uma bonequinha que apaziguava os corações de tão delicada expressão que tinha. Seus cabelos louros, presos num pequeno coque e encimados por fita de mesma cor do vestido e do sapatinho davam-lhe uma graça especial. Mas, o que mais sobressaía nela, além do olhar era o sorriso afetuoso. Quantas crianças ela estava fadada a conquistar? E quantos adultos, de súbito, desencantariam suas porções criança, tão cotidianamente soterradas pelas demandas da vida adulta (tão ditatoriais quanto sem graça)? Com certeza, se ela fosse presenteada ao ser mais maduro, no que se refere à chatice de ter crescido, ele não poderia esconder ao encará-la a fenda por onde escaparia um quê de doçura, fantasia e espontaneidade que só as crianças sabem traduzir na expressão quando alguma coisa as encanta e arrebata. Que momento mágico aquele que permite a volta à infância no que ela teve de bom, belo, acolhedor, apaziguador em cada pessoa, apesar dos conflitos, das dores, dos tormentos que vieram depois!
A beleza é assim: tem o poder de resgatar no fundo do nosso ser aqueles tesouros que foram sendo amealhados ao longo da vida e que de tão escondidos, por vezes até mesmo o dono se esquece que os possui. E, ainda que o conceito de beleza possa variar de acordo com o observador, existe naquilo que toca fundo o coração uma tal harmonia que é universalmente percebida, não há quem esteja imune ao seu feitiço. E essa bonequinha é assim: um mimo que dá vontade da gente dar de presente pra todo mundo.