terça-feira, 30 de junho de 2009

Contradição

Quando você se foi, de tão grande a dor, pensei que fosse arrebentar. Meu peito doeu quando seu espírito deixou o corpo e me senti completamente esvaziada e perdida. Estava em choque. Não conseguia acreditar.
Desde a semana anterior à sua morte, eu sabia que ia acontecer e imaginava como seria. Mas, na hora, foi algo totalmente novo e inesperado. Precisei então tomar as providências cabíveis e ao mesmo tempo queria estar ao seu lado, ao lado daquele corpo de quem eu já cuidava há tanto tempo e com tanto zelo. Seguiu-se uma espera de incalculável tempo, arrumei sua roupa, seu corpo foi guardado e enfeitado de flores coloridas que eu dispus misturando com outras de pétalas brancas, como que pintando um quadro, como tantas vezes eu fiz com as tintas pra depois mostrá-lo e você me dizer que gostava que fosse bem colorido, usando muito vermelho, amarelo, azul, verde, rosa etc. etc. No dia seguinte, lhe fiz todas as homenagens que consegui fazer, algumas secretamente, que só eu poderia entender e me amparei como pude, para suportar a dura realidade, a sua falta.
Seguiram-se outros acontecimentos dolorosos na família que tentavam ocupar minha mente e minhas horas, talvez na tentativa da Vida de me desviar da minha própria dor. Cuidados necessários a outras pessoas me impediram de assistir à sua missa de sétimo dia, algo totalmente inusitado e extremamente doloroso para mim, mas que me ensinou na prática a me desdobrar, estando ao mesmo tempo em dois lugares: naquele onde eu era necessária em corpo e no outro, mentalmente, onde meu coração desejava. Assim, fiz tudo que devia fazer, embora emocionalmente estivesse paralisada pela dor da sua morte.
Chorei o quanto pude, sozinha. A pior dor foi a da primeira noite sem você, uma dor visceral que me causou frio extremo e me corroeu por dentro.
Então percebi que devia sobreviver, que tinha que desarrumar a casa e tratei para que não houvesse uma desestruturação maior da família. Agi como você agiria, fiz da melhor forma que consegui. Tudo se harmonizou na medida do possível considerando-se que era a perda da matriarca, em torno da qual tudo e todos giravam.
Aí, aos poucos, eu fui podendo entrar em contato com a minha própria dor: eu precisava tê-la de volta, não me acostumava à sua ausência nos meus dias e noites. Sofri e chorei e me senti perdida e sozinha, mesmo no meio dos outros que eu amava. Ninguém seria capaz de preencher o seu lugar na minha vida que, entretanto, devia continuar.
Encontrei como saída para enfrentar o sofrimento, escrever para você o quanto fosse necessário. Eu lhe contaria toda falta que você me faz, tudo que fosse acontecendo em minha vida, pediria seus conselhos e orientações como sempre fiz.
O tempo passou, eu melhorei, ainda sofro, choro, meu peito ainda dói, minha garganta aperta quando sinto a vida agora tão diferente e vazia.
Nesse momento, eu me pergunto quem sou se sempre só fui aquela que a seguia e amava com veneração.
E a cada dia tomo contato com uma parte de mim que ainda não conhecia, como se, aos poucos, fosse nascendo, podendo sem você, ser inteiramente. Ser infeliz por tanto amor, por não tê-la junto e porque a vida continua.
Até que fique apenas a saudade que faz companhia na ausência e acalma a dor da perda, trazendo quem se ama para perto outra vez com as lembranças felizes quando for necessário.
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Este post faz parte da blogagem coletiva de junho do blog Duelos Literários:
A Vida Continua...