sexta-feira, 13 de março de 2009

Descoberta

Seria descoberta o que me aconteceu ou acaso mais um resgate nesta já tão longa existência?
Experimento esta terra clara, sem cheiro, sem gosto, que se liga facilmente e vai-me permitindo, devagar, criar formas que são familiares para mim. Aprendi a trabalhar com argila ontem e a emoção do aprendizado foi enorme. Sentir a temperatura fria desta terra nas minhas mãos, que vai subindo à medida que o contato com ela vai aumentando... é maravilhoso. A argila permite esta troca de energia que é tão terapêutica.
Tomei uma porção de terra nas mãos e iniciei uma brincadeira de tentar moldar alguma coisa. Foi inútil. Percebi que não deveria conceber antes a imagem e passar a moldar as formas; pelo contrário, deixava minhas mãos livres para que, tocando a argila, como que fazendo carícias, ela cedesse à força das mãos e desvendasse a forma que seria então possível. À medida que eu percebia a forma em potencial e continuava alisando a peça, sentindo nas pontas dos dedos o que ela queria soltar, como queria exprimir-se... ela ia se revelando. Fui visualizando as formas, o nascimento da figura, as curvas do corpo que ia sendo moldado, a sua postura, a expressão do rosto, a totalidade da peça. Às vezes queria refazer algumas partes, acentuar uma curva, aumentar uma protuberância, afinar um traço e notava que, se quisesse realmente controlar algum detalhe, ele se perdia. Eu violentava a peça. Ela existia por si própria. O processo de criação, uma vez iniciado, tem vida própria. O artista tem que ter a sensibilidade de acompanhá-lo, seguindo seus passos apenas, sem desviá-los. De outra forma, mata a criação.
Moldar uma peça é como proceder no amor. Tocamos e sentimos o que o toque provoca no outro. Tantas vezes as reações são leves, tão sutis que podem escapar aos sentidos daquele que não estiver por inteiro na relação e assim se perde o melhor, o efeito não estará à altura do esperado. É uma relação. Depende de um e de outro. É preciso estar inteiro no processo da criação. Temos que captar as sutilezas para atingir o êxtase. De acordo com a sensibilidade do músico, será possível tirar, do mesmo instrumento, variadas qualidades de som. Assim é no amor, que é arte, e em qualquer arte.
Falei em resgate porque senti que já sabia fazer aquilo e sabia que alguma parte de mim havia registrado este conhecimento, esta vivência; então não foi uma descoberta... antes, foi redescoberta. Entrar em contato com habilidades perdidas no tempo é difícil de explicar, mas no fundo, bem lá no fundo, a gente percebe que já sabe aquilo.
Também no amor é assim. Há, em nossa alma, a vivência do amor verdadeiro. Nem sempre alcançamos o quanto sabemos amar porque o que importa não é o que o corpo sabe fazer nem o que a mente quer que o corpo faça; no amor, corpo e mente, juntos, conduzem à música orquestrada pela alma. Na relação com o outro o ego se perde, só quando ele cede a alma toma para si a condução do espetáculo, e só assim é grandioso porque é pleno, porque a alma sabe, porque já amou de verdade em alguma vida, em algum ego que já foi.
No amor, na arte, na arte do amor não há controle: há presença, agudeza de todos os sentidos, há entrega. E para a plenitude deve haver a transcendência dos sentidos. E no gozo, como na arte com argila, só se é tudo quando se permite não se ser nada. A peça só aparece quando não esperamos nada dela, quando soltamos as mãos, suavizamos os dedos para que, na dança com a argila, componham a música orquestrada pelo maestro maior que é Deus em nós, a expressão da alma.

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